sexta-feira, 15 de maio de 2009

TEXTO INÉDITO DO DIRETOR PAULO AFONSO GRISOLLI SOBRE CARLOS IMPERIAL


Dentre as várias pessoas com quem o escritor Denilson Monteiro entrou em contato em busca de informações para a biografia de Carlos Imperial estava o diretor Paulo Afonso Grisolli. Morando em Portugal, Grisolli concedeu ao escritor o depoimento abaixo, onde fala de "Por Mares Nunca Dantes Navegadas", peça dirigida por ele em 1970, encenada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e que tinha Imperial no papel do poeta Bocage.


Meu caro Denilson:

Por Mares Nunca Dantes Navegados foi um super-espetáculo, montado em 1972 por iniciativa do Orlando Miranda (proprietário do Teatro Princesa Isabel e; à época, amigo pessoal do Imperial) e destinado a platéias estudantis. Estreou, para uma curta temporada, no Teatro Muncipal do Rio de Janeiro, com algumas salas abarrotadas de ruidosos e desatentos estudantes secundaristas pouco motivados para a experiência teatral. Apesar disso, foi um sucesso. Camões era o Paulo César Pereio, numa interpretação memorável. O cenário era de Joel de Carvalho - extraordinariamnte bonito e funcional. A iluminação foi assinada por Gianni Ratto. Klauss Vianna respondeu pela preparação corporal do elenco (muito jovem e inexperiente) e pela coreografia, muito surpreendente. E a música era toda original, especialmente composta por Sidney Miller, músico excelente injustamente desconhecido hoje no Brasil. A música era de fato muito boa.
O espetáculo apresentava um Camões irreverente, aventureiro e majestoso. E num de seus momentos anacrônicos introduzia a figura de Bocage, a evocar Camões. Era uma participação pequena porém marcante. Para a qual precisávamos encontrar um ator igualmente marcante. A sua participação era pouco mais do que entrar e cantar um soneto musicado pelo Sidney e que, nos ensaios, era exuberantemente cantado por um rapaz do grupo muiical, cujo nome injustamente não me vem agora à memória.
Foi o Orlando Miranda quem me sugeriu o nome do Imperial: «Afinal, ele é mesmo uma figura irreverente como o Bocage» - disse-me. Resisti inicialmente. Hesitei depois. E, afinal, ainda que sem acreditar que a experiência desse certo, terminei por concordar e convocamos o Imperial. Ele próprio também hesitou. Afinal, nunca tinha feito teatro e , além de tudo, tratava-se de teatro sério. E no Municipal!
Mas, ultrapassada a hesitação, enfrentou a situação como acho que sempre tratou de tudo: com desdém, de forma debochada e sem disciplina. Isso era ele.
Quando o Sidney tentou ensinar-lhe a canção, descobriu que o Imperial - homem de música - não sabia cantar. Aprendeu a melodia a duras penas. Desafinava como um louco. Para desespero do tal rapaz do conjunto musical que cantava lindamente e que tinha como sonho fazer o Bocage no espetáculo.
Mas aguentamos o tranco. O espetáculo estreou com o Imperial no Bocage. Dada a pequena participação, ele só apareceu mesmo au grand complet no ensaio geral. Tínhamos convidados muitas pessoas e o Imperial, ao entrar em cena, sentindo presença de gente na platéia, não teve dúvidas: parou e acenou para o público. Para meu desespero, que não contava com aquela.

Gastei um tempo enorme para convencer o Imperial de que ele não devia fazer aquela saudação ao público, a fim de manter a sua dimensão teatral. Ele achava que devia fazê-la, teimou comigo, mas finalmente aceitou com disciplina a minha orientação.
Hoje, passado tanto tempo, a pensar num espetáculo tão bonito e significativo, acho que quem tinha razão era ele e não eu. Moderno, vanguardista, ousado, o espetáculo só teria ganho - sobretudo junto aos estudantes desatentos e mal motivados - com aquela ruptura formal que o Imperial propunha. Claro! Uma personagem a sair viva da sua dimensão e vir comunicar-se intemporalmente com a platéia que, aliás, uivava ao vê-lo em cena!
O Imperial estava mais certo do que eu. E, por mais que se perdesse a linda canção que o Sidney havia composto para o poema, é possível que até o desafinado do cantor fosse um retrato mais adequado e verdadeiro de Bocage do que aquele que eu tinha imaginado.
De resto, convivi muito pouco com o Imperial. Nem me lembro em que circunstâncias. Mas a cada vez que nos encontrávamos ele se referia, divertido, ao fato de eu tê-lo levado a estrear-se em teatro, como ator e cantor.

Não sei se o que lhe conto será útil para o seu trabalho. Espero que sim. Se tiver alguma pergunta objetiva, mande-a e procurarei responder, se puder. De resto, desejo-lhe grande êxito.
Abraço.
GRISOLLI

O depoimento foi concedido em maio de 2003. Infelizmente, em dezembro de 2004, Grisolli faleceu, deixando muita saudade e belas realizações.

2 comentários:

mario grisolli disse...

gostei deste retrato que vc arranjou do meu velho e bom

força

http://www.grisolli.net/Arquivos.aspx?iImagem=1140

Luciana Grisolli disse...

Deu saudade de ouvir essas histórias...